De perto ninguém é normal

De perto ninguém é normal

“Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”,  da música “Dom de Iludir”, de Caetano Veloso

ESTILO DE VIDA INSTÁVEL E ESTRESSORES SOCIAIS (infância problemática, falência, divórcio, doença física, luto, desemprego, frustrações, desejos, etc.) colaboram para conflitos emocionais de tal modo que podem, sim, junto a outros componentes ambientais e genéticos, serem causadores de doenças mentais. Em vários países, cresce, assustadoramente, o número de pessoas com transtornos mentais, assim como de pacientes tratados com antidepressivos e outros medicamentos psicoativos. Assustador é, também, o aumento no número de suicídios no mundo, seja em jovens ou idosos.
Em um artigo, replicado pela revista Piauí, em 2011, a médica, professora e escritora americana Marcia Angell, apontava um estudo, realizado entre 2001 e 2003, que um percentual de quase 50% dos americanos se encaixava nos critérios estabelecidos pela Associação Americana de Psiquiatria, por ter tido em algum momento de suas vidas pelo menos uma doença mental.
Isso não chega a ser novidade se entendemos que podemos falar de doença mental ou emocional, quando nos referimos ao desequilíbrio dessas funções. Especialmente, quando, de algum modo, esses “desequilíbrios” causam algum tipo e sofrimento, como angústia, medo, pânico e/ou depressão, independentemente do grau. Segundo o psiquiatra e psicanalista José Carlos Vasconcelos, rigorosamente, “a definição de doença mental tem relação com o fato de uma pessoa ter dificuldade de estabelecer contato com a realidade, sendo sua apreensão prejudicada”, explica. Entretanto, coisas, aparentemente, normais e corriqueiras, caso não tratadas de forma devida, podem transformar-se em algo mais complexo, exigindo ajuda de terceiros. “O értice da psicanálise não fica preso a transtornos ou doenças. Entende-se que o sofrimento emocional é inerente à vida, a forma como você lida com ele e os extremos vivenciados podem levar a agravamentos. Como por exemplo, a falta ou o excesso de sono, a diminuição ou o aumento da libido sexual, entre outros”. 

Ansiedade, estresse, fobias, variação exagerada de humor, dificuldade de tratar frustrações, mau humor constante, compulsões, problemas de comportamento, hiperatividade, déficit de atenção, dependência a substâncias lícitas ou ilícitas, abuso de álcool, etc., dependendo do grau, podem ser  início ou mesmo o agravamento de problemas emocionais. Uma pergunta que Angell faz em seu texto e que tem sido comum a muitos profissionais, seja da psiquiatria ou da psicologia, é a seguinte: “O que está acontecendo? A preponderância das doenças mentais sobre as físicas é de fato tão alta, e continua a crescer? Se os transtornos mentais são biologicamente determinados e não um produto de influências ambientais, é plausível supor que o seu crescimento seja real? Ou será que estamos aprendendo a diagnosticar transtornos mentais que sempre existiram? Ou, por outro lado, será que simplesmente ampliamos os critérios para definir as doenças mentais, de modo que quase todo mundo agora sofre de uma delas? E o que dizer dos medicamentos que viraram a base dos tratamentos? Eles funcionam? E, se funcionam, não deveríamos esperar que o número de doentes mentais estivesse em declínio e não em ascensão? ” Talvez, seja um pouco de tudo isso, frisa Vasconcelos. Estamos adoecendo mais e estamos diagnosticando mais. Para muitos terapeutas, psicólogos e psiquiatras essa linha é tão tênue que pode simplesmente não existir. Tudo o que causa prejuízos funcionais, tudo o que causa sofrimento e tudo aquilo com o qual não somos capazes de lidar, seja uma simples relação, seja qualquer que for o problema, é preciso buscar ajuda. Essa ajuda pode vir de nossos recursos internos, de nossos familiares, de nossos amigos ou de um profissional da saúde. O importante é entendermos que a vida, apesar de seus altos e baixos (e isso é normal, ninguém é feliz o tempo todo), pode, sim, ser plena.
Causas, tratamentos e prognósticos são bastante discutidos no meio e, na maioria das vezes, as respostas dependem de caso a caso. O fato é que como diz o psicólogo, jornalista científico e escritor Daniel Goleman, autor do livro “Inteligência Emocional”, “nossos mais profundos sentimentos, nossas paixões e anseios são diretrizes essenciais e nossa espécie deve grande parte de sua existência à força que eles emprestam”. Sendo assim, é preciso lembrar que “as emoções nocivas são tão danosas para a nossa saúde quanto fumar”. Saber lidar com as emoções, trabalhá-las, é vital para a saúde emocional e mental do indivíduo. Isso inclui a velha máxima: “Mens sana in corpore sano”. Ou seja, para se viver de forma saudável, é importantíssimo o cuidado com a mente (conhecimento, autoconhecimento, controle das paixões) e nos cuidados com o corpo (atividade física, alimentação saudável, etc.).

José Vasconcelos

MÊS DA  SAÚDE MENTAL

Neste ano, realizamos a 6ª edição do “Janeiro Branco”, considerada a maior campanha do mundo em prol de uma cultura de saúde mental. Sua principal mensagem é a de que “quem cuida da mente, cuida da vida”. Parte-se do conceito de que quem previne o adoecimento emocional pressupõe mudanças no estilo de vida, buscando, inclusive, mais sentido.
O movimento nasceu em 2014, em Uberlândia, MG, reunindo psicólogos e demais profissionais na área da saúde mental em torno da luta por uma vida biopsicossocioespiritual mais saudável. O que implica, para o movimento, o entendimento de que a saúde mental, “em uma visão transdisciplinar, humanista e moderna, engloba tanto a ausência de transtornos mentais (ou doenças mentais) como, por exemplo, a depressão, a ansiedade generalizada, a esquizofrenia ou a bipolaridade, como, também, a capacidade de o indivíduo reagir, equilibrada e adequadamente, às circunstâncias, condições e vicissitudes da vida”. Entre elas, por exemplo, “a pressão no trabalho, os desencontros amorosos, as cobranças da sociedade, as oportunidades da infância, as responsabilidades da vida adulta, as questões da senilidade, etc”. Desde o início dos anos 2000, a Organização Mundial de Saúde (OMS) vem, insistentemente, alertando a humanidade quanto ao crescimento vertiginoso das taxas de suicídio, depressão e ansiedade em todo o mundo. Segundo o movimento, “a humanidade está se transformando em um exército de dependentes químicos, de drogas lícitas e ilícitas, além de um exército de pessoas que não estão satisfeitas consigo mesmas, com as suas vidas pessoais, profissionais e relacionais. Esses são problemas que, indistintamente, têm afetado crianças, jovens, adultos e idosos em todos os cantos do planeta submetidos ao modelo ocidental de sociabilidade voltada à coisificação da vida”.
Vivemos um momento sem paralelos “de suicídios, depressão, ansiedade, bipolaridade, esquizofrenias, distimias, transtornos de humor, transtornos alimentares, comportamentos compulsivos e obsessivos, transtornos do sono, comportamentos adictos, etc. “ Essas situações têm caracterizado e empobrecido a experiência humana no início do tão desejado terceiro milênio – e, como se isso não fosse suficiente, a falta de sentidos humanísticos de vida, assim como a substituição dos valores espirituais de existência por valores, exclusivamente, materialistas também têm agredido, comprometido e inviabilizado o desenvolvimento de histórias de vidas humanas com mais saúde mental, harmonia de relacionamentos, equilíbrio emocional, paz de espírito e, também, mais sentimentos perenes e legítimos de genuína felicidade”.  O movimento “Janeiro Branco” quer chamar a atenção, em um mês comumente dedicado à revisão de planos e metas, para o quanto é preciso refletir sobre si. Isso pelo fato de o mês simbolizar a virada do ano, momento em que somos inspirados a rever nossas trilhas e reafirmar ou não nossos sonhos. Já o branco refere-se ao fato de ser o somatório de todas as cores. Portanto, janeiro branco pretende ser inspirador, motivador, para que as pessoas busquem planejar e mudar as suas vidas, com atitudes mais felizes e saudáveis em termos sentimentais, emocionais e relacionais ao longo de todo o ano e toda a vida.

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